Herivelto Martins 100 anos


Ouça como foi o início da roda em homenagem ao centenário de Herivelto Martins em Belo Horizonte
(baixe o áudio completo na seção "downloads")

Mais ou menos em novembro do ano passado em uma roda de samba com os amigos do Brasil 41 (roda que tenho tanto orgulho em tomar parte em Belo Horizonte) ouvi um samba que me chamou muita atenção... Lembro que guardei alguns versos na memória e quando cheguei em casa fui procurar. Descobri que o samba se chamava "Controlando essa mulher" e era de autoria de Herivelto Martins, que até então eu conhecia apenas por seus sambas mais conhecidos: Ave Maria no Morro, Isaura, Cabelos Brancos... Resolvi então entrar de cabeça na obra desse compositor, quase desconhecido pra mim. E qual não foi minha surpresa quando a cada áudio que ouvia meus olhos brilhavam ao perceber que estava diante de um dos mais expressivos compositores que o samba já teve!

Comecei a juntar tudo o que encontrava do compositor, digitava as letras e arquivava tudo, com data da gravação, nome dos intérpretes o que resultou numa coletânea com 105 sambas transcritos (hoje beirando os 200) que preparei pra postar aqui no meu blog, o Receita de Samba. Novamente por acaso, em meio a pesquisa para o texto que acompanharia a coletânea, descobri que dia 31 de janeiro de 2012 seria a data do centenário do compositor. Como já estava completamente fascinado pela sua obra, quase que imediatamente passei um CD com as canções pro meu amigo Daniel Capu, que comanda com sabedoria a roda do Brasil 41 em BH e disse: "ouve isso e vê se não merece uma homenagem no centenário dele". Pronto! Na hora ele comprou a ideia, incorporou o Laurindo, diretor de harmonia criado pelo Herivelto, pôs a turma em fileira e marcou o ensaio pra quarta feira (literalmente). Uma obra dessas não pode ficar guardada com tanta gente se interessando pelo bom samba hoje em dia. As canções de Herivelto foram pra nós uma grande descoberta, assim como espero que seja pra vocês.

Herivelto Martins nunca foi ligado (formalmente) a nenhuma escola de samba e talvez por isso não tenha guardado em si a figura do sambista... Foi artista do rádio, sempre sério e engravatado, um verdadeiro profissional. Mas nunca escondeu seu amor pelas escolas e exaltou muito a Mangueira, em sambas antológicos gravados pelo seu Trio de Ouro acompanhado da Escola de Samba que ele mesmo levou pra dentro do Rádio. Foi parceiro de muita gente bamba e cantava como ninguém o dia a dia das escolas, coisa que só alguém muito próximo poderia fazer. Também nunca morou no morro mas sabia expressar como poucos o cotidiano da favela, as durezas da vida do morador do morro, os preconceitos sofridos por essa gente... Herivelto frequentou todos os ambientes possíveis no Rio de Janeiro de sua época e levou tudo isso pra dentro de seus sambas. É por isso que hoje o considero um dos maiores sambistas já nascidos... Ouvir suas musicas é passear pelo Rio antigo em companhia dos malandros, sambistas... Herivelto cantou a Escola de Samba, a Mangueira, os morros... Cantou a Lapa, a Praça Onze, cantou a Guerra, a política... E claro, como todos já sabem pois essa é sua cara mais vista, cantou o amor e as desilusões que este o trouxe. E o que vocês vão ouvir e ver nesse site só prova que Herivelto foi um dos grandes. 



Alguns meses de preparação, reuniões semanais e muito Herivelto... Herivelto o dia inteiro, em casa, no carro, no ônibus. Resultado: 55 brasas na ponta da língua e duas datas: Dia 14/07 em Belo horizonte e 05/08 em Ouro Preto. Eis que chega o grande dia e, em Belo Horizonte, quando soaram os primeiros acordes, o coro masculino entoando os versos: "Fazer Carnaval com quem, olho e não vejo ninguém"... De repente surgem as pastoras. E que coro, uma coisa linda! Mas,meu amigo, quando o samba voltou no começo e entraram o naipe de tamborins e o surdo veio todo mundo com vontade... Aí a praça onze explodiu em Minas Gerais! Foi aí que todo mundo percebeu a real dimensão da coisa. O coro era ensurdecedor e as pastoras sempre graciosas davam seu recado roubando a cena... Sempre afinadíssimas, cantavam os arranjos do Trio de Ouro. E a batucada... muito tamborim malandro, garrafa, agogô, prato e faca e claro, o apito! E lá se foram mais de 50 sambas, divididos em 5 blocos:

Exaltação à Batucada era o tema do bloco 1. Bloco pesado, pra mostrar logo de início que o Herivelto entendia do assunto. Praça Onze, Bom Dia Avenida, Desperta Dodô. O começo foi uma explosão, dava pra perceber nos olhos de cada um. O segundo bloco tinha como tema a Tristeza, Sofrimento e Orgia. Engana-se quem pensa que só daria samba canção... É verdade que o bloco foi aberto com o lindo Calado Venci, parceria com Ataulfo Alves, mas Herivelto tem muita brasa, depois desse foi só samba pra frente: Fala Claudionor, Até a Volta, Não me Conheço Mais...E tome batucada!

terceiro Bloco entrou fervendo! "Se estou com ela sinto falta do meu lar / Se vou pra casa sinto muita falta dela / Ela, ela, ela / Quem me dera esquecê-la, quem me dera". E tome brasa: Odete, Quando Amanhece, Acorda Estela, A Maria me Controla... O tema da vez é a Súplica e Exaltação à Mulher. No quarto bloco, um passeio pelo Rio de Janeiro dos anos 30 e 40. Com o tema Crítica, Favela e Esperança a roda chegava à reta final... um pouco de cansaço,, mas a mesma energia e vontade de cantar os sambas do Herivelto. Cantamos o Morro de Santo Antônio, A Lapa... E pra fechar o bloco um belo samba em homenagem a minha querida Ouro Preto!

Pra quebrar tudo de vez veio o quinto e último bloco. O tema não poderia ser outro: Exaltação à Mangueira. Escola que Herivelto tanto exaltou, mas que nunca mostrou gratidão ao compositor... Não deu outra, a casa veio abaixo ao som do coro, ainda ensurdecedor depois de quase 50 sambas, cantando clássicos como Saudade da Mangueira, Lá em Mangueira e a sensacional Adeus Mangueira que fechou a roda com chave de ouro! Algumas semanas depois e lá estávamos em Ouro Preto, terra que Herivelto exaltou em um de seus mais belos sambas... E num domingo de sol em clima de descontração lá se foi mais uma tarde de Herivelto, muita cantoria e bebedeira! 

Não saiu nos jornais, nem foi notícia em qualquer outro veículo... Poucos tomaram conhecimento do que aconteceu em Belo Horizonte e em Ouro Preto. Mas creio eu, e talvez a maioria das pessoas envolvidas e que presenciaram, que se Herivelto estivesse vivo ele se emocionaria ao ver suas musicas executadas em coro por dezenas de pessoas, sem nenhum microfone ou instrumento amplificado, exatamente como se fazia nos antigos terreiros, justamente como deveriam ser conhecidas por todos. 

Texto: Vinícius Terror (Blog Receita de Samba)


 


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