domingo, 12 de agosto de 2012

HERIVELTO MARTINS 1912-1992


Nascido na pequena cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, RJ, no dia 30 de janeiro de 1912, Herivelto de Oliveira Martins foi um dos maiores nomes da musica brasileira durante os anos 30 e 40. Herivelto conheceu o mundo das artes muito cedo. Seu pai, Félix Bueno Martins, era apaixonado por teatro e tinha o costume de promover grupos teatrais amadores  da cidade, atividade na qual fazia questão de envolver os filhos. Com apenas três anos de idade o pequeno Herivelto já participava dos espetáculos promovidos pelo pai. Usava uma casaca branca e recitava versos como “Nasci pra namorar / Toda moça bonita que eu vejo / Dá vontade de casar”. De 1916 a 1929 a família morou em Barra do Piraí onde o pai de Herivelto, o “seu Bueno” fundou uma espécie de companhia de teatro chamada “Sociedade Dramática Dançante Carnavalesca de Barra do Piraí”.

O jovem Herivelto à direita
Influenciado pelas atividades artísticas do pai o pequeno Herivelto acabou montando sua própria peça com os irmãos e amigos da vizinhança. Foi um sucesso e chegavam a cobrar ingressos para as apresentações. Aos nove anos de idade compôs seu primeiro samba, chamado “Nunca Mais”. Quando já era adolescente conheceu dois artistas de circo com quem acabou montando um trio e saiu em uma pequena “turnê” apresentando um pequeno espetáculo em cidades vizinhas. O problema é que um de seus parceiros era procurado pela polícia e o trio acabou sendo preso. Pra sorte de Herivelto, o delegado percebeu que o jovem entrou de gaiato nessa confusão e o mandou de volta pra casa.

Aos dezoito anos, depois de uma breve passagem por São Paulo, Herivelto vai tentar a sorte no Rio de Janeiro. Tinha pouco dinheiro, muita disposição e pra sua sorte, talento de sobra. No início, trabalhou em uma barbearia para garantir o seus sustento. Lá, conheceu o compositor Príncipe Pretinho que gostou muito de Herivelto e o apresentou ao compositor J. B. de Carvalho. Em certa ocasião Herivelto mostrou a J.B. a marcha “Da cor do meu violão” que compôs inspirando em uma antiga namorada que seu pai dizia ser muito escura para ele. J.B. de Carvalho gostou da musica e ofereceu gravá-la para o carnaval se Herivelto lhe desse a parceria. Assim feito, Herivelto Martins tinha sua primeira musica gravada em 1932 em discos Victor pelo conjunto Tupi. Logo passou a atuar no coro de gravações da Victor e caiu nas graças do diretor, Mr. Evans, que gostou muito de seu estilo e de suas inovações.

A DUPLA PRETO E BRANCO

Francisco Senna e Herivelto Martins
No início dos anos 30 surgia nos palcos do Rio de Janeiro a Dupla Preto e Branco, formada por Herivelto Martins e Francisco Senna. A dupla aparecia como uma grande novidade devido aos arranjos que Herivelto Martins preparava para suas interpretações resultando, segundo o próprio Herivelto, na primeira dupla a cantar em duetos na história do disco, fugindo do esquema de "pergunta e resposta" já utilizado há algum tempo em algumas gravações de Francisco Alves e Mário Reis.

A dupla atingiria sucesso absoluto culminando com a incorporação da cantora Dalva de Oliveira e o surgimento do Trio de Ouro, um dos conjuntos vocais de maior sucesso da história da musica brasileira e que revelou de vez a genialidade de Herivelto Martins, que além de excelente compositor criava todos os arranjos vocais e ensaiava o Trio até que tudo saísse a seu gosto.

Tudo começou quando o compositor Herivelto Martins (naquela época nem podia ser chamado de compositor ainda, segundo o próprio Herivelto) foi convidado pelo amigo Príncipe Pretinho - também excelente compositor, já com o nome consagrado na praça àquela época - a assistir a um ensaio do Conjunto Tupy, dirigido por J.B. de Carvalho.

No ensaio - conta Herivelto - o Principe me deu uma caxeta para tocar. Dei um baile com a caxeta, impressionando J. B. de Carvalho, conhecido macumbeiro na época e com alguns discos de pontos de macumba já gravados. Assim que ele me ouviu, comentou: "Esse menino toca bem". Diante do elogio do J.B., Prlncipe Pretinho, muitoesperto, emendou: "Ele também canta bem e é compositor, "seu" João. Na verdade eu não era compositor ainda, isto é, não tinha nada na praça. Somente umas coisinhas feitas no interior, mas sem pretensões de me tornar compositor profissional.

Herivelto conta que, com o passar dos ensaios, procurou convencer J,B. de Carvalho a aproveitar as vozes do grupo: - Ele cantava um negócio e eu sugeria: "Seu João, que tal se a gente cantasse também, depois do senhor, é claro, fazendo um corinho?" - Ele não entendeu bem a proposta e pediu uma demonstração. Foi engraçadissimo, porque o João era desafinado, tinha uma voz muito grave e destoava bastante do grupo. Mas isso era o de menos. Importava que ele estava se rendendo às minhas ideias. Como eu tinha mania de dueto, foi uma barbada convencê-lo a adotar minha proposta para enriquecer o padrão musical do conjunto, que só tinha um saxofone e um banjo no acompanhamento.

Dos duetos propostas para o Conjunto Tupy, Herivelto passou a ensaiá-los exclusivamente com Francisco Sena, durante os intervalos dos ensaios do próprio Conjunto, em geral na casa de J.B. de Carvalho. Sena havia gravado um disco na RCA Victor, com a música Quem está de ronda, de Principe Pretinho, posteriormente gravada pelo Trio de Ouro.

Dupla Preto e Branco com Regional Benedito Lacerda
De acordo com Herivelto Martins, "a Dupla Preto e Branco nasceu naturalmente como fruto dos duetos que eu e o Sena faziamos nos ensaios do Conjunto Tupy. Havia uma lei que obrigava os cinemas na época a apresentar, no intervalo da uma sessa para outra, um espetáculo com música brasileira".

O compositor relata que o Conjunto Tupy foi se apresentar no Cine Odeon, na Cinelandia, ocasião em que J.B. de Carvalho, "um ignorantão", durante a audição ficava dando ordens ao gnupo na frente da platéia. Coisas assim: "Olha esse baixo ai está muito forte; o saxofone tem que me obedecer só entra quando eu fizer um sinal. Quem manda aqui sou eu ". Herivelto acentua que essas intervenções grosseiras e em cima do show repercutiam muito mal, como não poderia deixar de ser. O dono do cinema, o empresário Vicente Marzullo, achou aquilo um horror. Nos bastidores, reclamou e perguntou se não havia outro número para oferecer ao público. Chegou pro Herivelto e quis saber detalhes dos duetos que ele organizava com o Sena, de que ouvira falar, e pediu demonstração. Herivelto Martins já havia até composto um samba para cantar com o Sena chamado Preto e Branco, que dizia:

"Eu sou o branco / eu sou o preto / tu és o preto / tu és o branco / sei que somos amigos leais / preto na cor / branco na alma a natureza não nos fez iguais".


Alguém pegou uma caxeta, outro um tamborim, o banjo fez o contraponto e Herivelto e Sena começaram a cantar. Mas o número não ficou apenas no canto, como frisa Herivelto: "Passei a sapatear e o Sena ensaiou uma rasteira contra mim, eu ensaiei outra pra cima dele, pintamos os canecos. Marzullo ficou encantado e decretou a estreia da dupla para a segunda-feira seguinte. Como o número meu e do Sena não tinha nome próprio Marzulo decidiu: Vai se chamar a Dupla do Preto e do Branco!

A repercussão da Dupla foi imediata. No dia imediato ao da apresentação no Cine Odeon, as noticias e comentários foram generosos para com Herivelto e Sena e a partir dai a Dupla Preto e Branco começou a ganhar espaços. Era o ano de 1933. No ano de 1934 a Dupla gravou seu primeiro disco. Foi na Odeon, tendo de um lado a música Quatro Horas  (Herivelto Martins e Francisco Sena) e do outro Preto e Branco (Herivelto Martins).

Entretanto a primeira fase da Dupla foi curta. Em 1935 o parceiro Francisco Sena adoece e acaba falecendo. Herivelto sempre teve muito carinho pelo amigo e deplora sua morte prematura, causada provavelmente pela alimentação deficiente que lhe acarretou graves problemas de saúde, penúria e outras dificuldades advindas dos tempos adversos que encarou.

Herivelto conta um fato interessante ocorrido pouco antes da morte de Francisco Sena: "Um dia, Sena apareceu com bócio. Impossibilitado de trabalhar, ficou em casa acamado, sob tratamento, me obrigando a cancelar compromissos da Dupla e rejeitar novas of ertas para shows. Fiquei, literalmente, em palpos de aranha. Na Rádio Tupy, porém, consegui quebrar o galho, e foi até engraçado" - conta Herivelto. "A Rádio Tupy, inaugurada em 1935 e funcionando em um barracão em Santo Cristo, tinha alguns artistas permanentes, caso da Dupla Preto e Branco. Com o Sena afastado, Falei com o diretor da emissora sobre a sua doença e ele, num gesto nobre, decidiu manter o nosso pagamento até que o meu parceiro se recuperasse". Herivelto ficou agradecido, mas esclareceu que continuaria o número da Dupla assim mesmo, argumentando que no rádio o ouvinte não vê quem está cantando, como hoje acontece na televisão. Chamou então o seu amigo João Soares, careca e branco, e passou a se apresentar com ele na Tupy. Infelizmente, logo depois Sena faleceu e a Dupla se desfez.

INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA DUPLA PRETO E BRANCO

Herivelto faz questão de ressaltar que a Dupla Preto e Branco foi um dos os marcos na MPB em matéria de vocalização quando surgiu, inaugurando um novo estilo de cantar. conforme diálogo extraido do livro "Herivelto Martins, Uma Escola de Samba":

(Herivelto Martins) - Na época fui considerado génio pela idealização da Dupla Preto e Branco pois ninguém, até então, tinha aparecido fazendo dueto.

- Mas a dupla Francisco Alves/Mário Réis não foi anterior à Preto e Branco, Herivelto?

- Foi sim, porém os dois não faziam dueto. Era uma dupla de perguntas e respostas, sem vozes alterando a melodia. O Chico com aquele vozeirão e o Mário com a voz pequenininha. O Chico cantava "Deixa essa mulher chorar" e o Mário se limitava a repetir "Deixa essa mulher chorar", e assim por diante. Não era dueto. Nem Chico e nem Mário sabiam fazer terças. Já na Dupla Preto e Branco o Sena fazia a melodia e eu as vozes, geralmente as chamadas terças. Não era a mesma coisa com o Chico e o Mário. Depois, no nosso rastro surgiram outras duplas como Castro Barbosa e Jonjoca, Joel e Gaúcho...

 A primeira dupla Preto e Branco durou pouco mais de dois anos, desde sua formação em 1933, até a morte de Francisco Sena, em 1935. Com a morte do parceiro, Herivelto Martins frisa que sua situação profissional na época ficou muito desarticulada, pois a Dupla vinha se firmando e ele sozinho não representava quase nada como cantor.

A SEGUNDA DUPLA PRETO E BRANCO: NILO CHAGAS

Nilo Chagas e Herivelto Martins
Com  a morte do parceiro Francisco Sena, Herivelto Martins passou a se empenhar em encontrar um novo cantor com quem pudesse ensaiar seus duetos:

"Tentei arranjar um substituto para Sena mas não havia nada igual. Assisti a tudo que era espetáculo, porém ninguém me agradava. Sem parceiro para atuar, pintei a cara e fui trabalhar em circos. Ao mesmo tempo procurei a Empresa Paschoal Segreto e me ofereci como ator".

-Escolhi o papel de palhaço e criei um tipo que logo se popularizou, sobretudo no meio da garotada, o Zé Catinga. Nos sábados e domingos o teatro lotava para ver o Zé Catinga, principalmente as crianças, um público certo. Foi no Teatro Pátria que apareceu o Nilo Chagas na minha vida. Ele não fazia nada. Eu "inventei"o Nilo, que era uma pessoa inútil.

Herivelto explica como foi que o Nilo Chagas chegou até ele: "O irmão do Nilo um dia me procurou no teatro para fazer uma sondagem e me disse que o Nilo cantava direitinho e que eu poderia com ele refazer a Dupla Preto e Branco. Realmente, o Nilo cantava bem, mas carregava um defeito: andava curvado para a frente devido uma queimadura que sofrera no lado direito da barriga. A ferida já estava cicatrizada, porém ele adquirira o hábito de andar tombado para a frente com medo da pele arrebentar".

Herivelto não se dobrou ao fato, e fez a cabeça de Nilo, convencendo-o de que não tinha mais nada: "Graças aos meus esforços o Nilo mudou de postura, voltando a andar ereto, elegante, assim aparecendo nos palcos. Gravamos o primeiro disco em 1937 com Tamborim (Herivelto Martins e J. Soares) de um lado e do outro, Ultima Festa (Herivelto Martins e Zeca Ivo)".

A segunda Dupla Preto e Branco gravou mais quatro discos, até 1938 quando desapareceu de vez, dando lugar ao Trio de Ouro.  Mas já em 1937 grava também o primeiro disco com Dalva de Oliveira, iniciando a partir dai o processo de extinção da Dupla e nascimento do Trio de Ouro. Portanto, a dupla Preto e Branco atravessou quase toda a década, sofrendo um breve intervalo entre a morte de Sena e o aparecimento de Nilo Chagas, e desapareceu em 1938, quando gravou o seu último disco.

TRIO DE OURO

Nilo, Herivelto e Dalva: O Trio de Ouro

Foi no Teatro Pátria que Herivelto conheceu Dalva de Oliveira, que logo passou a se apresentar com a dupla e chegou a lançar em 1937 um disco com o nome de Dalva de Oliveira e Dupla Preto e Branco. No disco, dois sambas de Príncipe Pretinho: “Itaquari” e “Ceci e Peri”. O disco foi um sucesso e o trio foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga, um grande passo na carreira de Herivelto. A partir de então, o trio passou a ser conhecido como “Trio de Ouro”, nome dado pelo locutor César Ladeira. Em 1939 Herivelto e Dalva oficializam sua união em um ritual de umbanda. Viveram juntos por quase 10 anos.


Com essa formação o Trio de Ouro gravou grandes clássicos da nossa musica. Sambas como "Praça Onze" (Herivelto Martins e Grande Otelo), "Lá em Mangueira" (Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres) e "Ave Maria no Morro" (Herivelto Martins) conferiram ao Trio um grande sucesso e mostravam que Herivelto era um dos grandes compositores do seu tempo. Em 1949 o trio lança três discos e com a separação conturbada entre Herivelto Martins e Dalva de Oliveira (que tinham se casado em 1938) a formação original do Trio de Ouro se desfaz.

Lourdes, Herivelto e Raul Sampaio
Rapidamente Herivelto refez o Trio de Ouro que teve ainda mais três formações, além da original. Durante o início dos anos 60 o grupo entrou em decadência e praticamente parou de gravar. Chegaram a fazer algumas apresentações esporádicas durante os anos 70, mas sem grande repercussão. Formações do Trio de Ouro:

Primeira Formação (até 1949):
Herivelto Martins, Nilo Chagas e Dalva de Oliveira

Segunda Formação (1950 a 1952):
Herivelto Martins, Nilo Chagas e Noemi Cavalcante

Terceira Formação (1952 a 1964):
Herivelto Martins, Raul Sampaio e Lourdes Bittencourt

Quarta Formação (Década de 1970):
Herivelto Martins, Raul Sampaio e Shirley Dom


Abaixo, o Trio de Ouro em sua terceira formação, com Herivelto, Raul Sampaio e Lourdes Bittencourt cantam o samba "Adeus Mangueira" em uma cena do filme "É de Chuá", de 1958:



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Um comentário:

  1. Ao tempo em que louvo a homenagem oferecida a Herivelto - à qual dei chamada em meu blog http://domacedo.blogspot.com.br/2012/08/homenagem-herivelto-martins.html -, indico o post CENTENÁRIO DE HERIVELTO MARTINS, de 30 de janeiro, da pesquisadora Laura Macedo, publicado no Portal Luis Nassif: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/centen-rio-de-herivelto-martins

    Um abraço.

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